A última coisa que ela queria ter visto (ela disse) era a mãe se cagando toda em cima de uma cama de hospital. Vivendo na base de um bocado de remédios fortes. A cabeça sem um fio de cabelo, os olhos baços, tristes. Mas viu. E ajudou a limpar, e deu banho... O coração em frangalhos.
Tinha dia que rezava pra Deus curar a mãe. Tinha dia que rezava pra Deus acabar logo com aquilo e levar a mãe. Queria a mãe em casa, na sua cadeirinha de balanço, reclamando de tudo, cuidando do pretão. Um gato que tinha. Mas, às vezes, sentia que não tinha jeito, que a mãe ia morrer, que não valia a pena aquele sofrimento todo só pra adiar.
A mãe já tinha setenta anos e seus gemidos de dor, ecoavam fundo dentro dela, a filha, rasgando e quebrando tudo por dentro. Todo dia e toda noite, ela tinha vontade de ir embora, não queria continuar vendo aquele horror, aquela tragédia acontecendo. Mas não foi. Ficou. Até o fim. E depois se sentiu até mal pelo alívio (que veio). Mas não era só por si, era pela mãe também, que agora ia poder descansar.
Ela disse que deixaram tudo nas costas dela, tinha sete irmãos, nenhum fez nada. Teve um que ainda visitou a mãe no hospital. Mas também só. Não fez mais nada. Deus me livre, meus filhos me abandonarem assim! Tem gente que é desse jeito, ela disse, a gente só é bom quando é útil, depois que não é, vira nada. Na hora que precisa, todo mundo tem sua vida e não pode tirar um pouco de tempo pra fazer nada. Deus me livre terminar assim… Sofrendo desse jeito…
Ela disse que, às vezes, se perguntava: por que Deus fazia isso? Por que Ele deixava uma pessoa terminar a vida assim? Uma vida já tão sofrida. A gente não deve, ela disse, duvidar de Deus, mas a gente é gente, né? É de carne e osso e não tem como não questionar, vendo as coisas... Disse que ficava pensando no que a mãe tinha feito pra merecer aquele castigo todo. Minha mãe não foi santa, ela disse, nunca foi, bebia, fumava, ia pra igreja só quando queria, deu até uma facada no meu pai (pra se defender). Mas não merecia aquilo, não. Ela disse.
Taí, meu mano, a moto tá pronta! Disse o cara da oficina.
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Grande abraço e até já, parente!
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