Era dia de visita na penitenciária. Eu fui lá conversar com um cliente, a mulher que passou pelo portão comigo estava lá por outros motivos. Fomos por caminhos diferentes.
O comissário veio me atender, disse que seu pessoal estava focado em atuar na visitação dos apenados e descarregar a minivan que levava as marmitas do almoço. Expliquei que meu contato seria breve e que eu poderia aguardar.
Uma movimentação estranha invocava minha atenção para a área onde estavam os visitantes. Eu não conseguia mais me concentrar na conversa com o comissário. Alguma coisa diferente estava acontecendo ali na área de visitas.
Um agente chegou até o comissário e sussurrou algo em seu ouvido.
“Tá tudo certo?” Perguntei.
“Pois é, doutor, apareceu um problema aqui que vai dificultar mais ainda seu atendimento.” Ele disse.
“Tudo bem, eu espero.”
Deixei o comissário lidar com seu problema iminente e fui investigar o caso por conta própria. A primeira pessoa que eu ouvi foi o mototaxista que deixou a moça no presídio, ele ainda estava próximo ao portão. Eu perguntei se ele sabia o que estava acontecendo, mas tudo que ele sabia era que ela foi “visitar um preso”, o nome do bairro onde ela mora, na periferia, e que ela foi levada para outra direção contra sua vontade.
Uma viatura se aproximava no horizonte, vindo no sentido da penitenciária.
Próximo ao pátio, dois agentes conversavam, insatisfeitos por conta do ocorrido, lamentavam que aquilo prejudicaria seu intervalo de almoço.
“Rapaz, que situação hein?!” eu disse, como se soubesse o que estava acontecendo.
“Pois é, doutor. Como é que a pessoa vem bater aqui com um mandado de quinze anos de prisão nas costas.” Respondeu um deles, mordendo a isca.
“Às vezes ela nem sabia.” Complementou o segundo.
Foi mais fácil do que eu imaginei. Encontrei a resposta que eu queria, mas isso só gerou mais perguntas. A moça que chegou comigo ficou detida. Ela foi visitar um apenado, só que ela mesma tinha um mandado de prisão expedido em seu nome. Será que ela não sabia? Será que ela pensou que não haveria conferência dos dados dela na visitação? Será que foi de propósito?
Continuei investigando e esses foram meus achados:
Ela sabia do mandado, mas o homem que estava lá dentro não vai sair em menos de quinze anos, ela queria vê-lo ao menos uma última vez, precisava olhar nos olhos dele e dizer as coisas que ela foi lá para dizer.
Antes que algum leitor pense que eles teriam um final feliz e ela ficaria junto com o homem que ama, como pensaram algumas pessoas com quem compartilhei essa história, isso não aconteceu.
A Julieta da nossa história foi detida na entrada sem sequer poder visitar seu Romeu. A viatura que a levaria embora para o presídio feminino entrou pelo portão da frente e parou logo ao lado da minivan de onde os apenados descarregavam as caixas de marmita, supervisionados por agentes, é claro.
O destino ainda tinha algo preparado.
Enquanto Julieta caminhava para a sua viatura, escoltada por dois agentes, o destino colocou Romeu logo ao seu lado. Naquele dia, ele estava trabalhando na equipe do almoço que descarregaria as caixas de marmita. Ali naquela garagem, seus olhares se encontraram. Imediatamente ela disse o que foi lá para dizer, não com todas as palavras, mas apenas com as três necessárias. Em choque com a presença da amada, ele respondeu dizendo apenas o nome dela, que não é Julieta, mas um outro nome, um que dito na entonação correta pode perfeitamente significar: “eu também te amo, eu vou sair daqui e vou te buscar para a gente passar o resto das nossas vidas juntos”.
* Todos os nomes de pessoas e locais reais foram omitidos para preservar a imagem dos envolvidos.
** Matheus é advogado, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RO e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia.
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